Um encontro histórico para marcar a data simbólica. Duas décadas atrás, um grupo de 30 travestis e mulheres trans ocupava o Congresso Nacional para lançar a campanha “Travesti e Respeito. Está na hora dos dois serem vistos juntos”. Vinte anos depois, o terraço do Memorial da Cultura Apolônio de Carvalho, em Campo Grande, é palco de celebração e escuta entre diferentes gerações.
Idealizado pela ATMS (Associação de Travestis e Trans de Mato Grosso do Sul) em parceria com o Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+, o TransChá abriu espaço para ouvir pessoas trans e contou com representantes do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal de Campo Grande, através das Subsecretarias de Políticas Públicas LGBTQIA+ e da Subsecretaria Municipal de Defesa dos Direitos Humanos. A Defensoria Pública do Estado também esteve presente com os núcleos de Direitos Humanos e de Atendimento à Mulher.
A tarde de quarta-feira (24) provocou memórias e diálogos. De um lado, travestis e pessoas trans que se recordam da data narrando as experiências para alguns ouvintes que sequer eram nascidos. O TransChá possibilitou um encontro entre um público diverso de idade e histórias, mas que compartilha a luta e a resistência.
“Dia 29 de janeiro de 2004, o Ministério da Saúde convida um grupo de pessoas trans, do qual eu estava presente, eu estive lá, fazendo parte daquele momento histórico, onde lançamos a campanha. Pela primeira vez na história do Brasil este grupo adentra o Congresso Nacional”, relembra a coordenadora municipal de Políticas Públicas LGBT, Cris Stefanny.
Para os mais jovens na caminhada, Cris explica que o direito ao nome social, que posteriormente se tornaria lei e decretos estaduais até a decisão do STF quanto à retificação do nome no próprio cartório, surgiu como política do Ministério da Saúde.
A data que ficaria marcada no calendário nacional como o Dia da Visibilidade Trans – comemorado em 29 de janeiro – foi o start para a implementação de políticas públicas em todo País, especialmente para a população LGBTQIA+ em Mato Grosso do Sul.
“Tantas de nós que se foram, tanto sangue derramado para que hoje a gente possa se confraternizar dentro de um órgão de governo. Não éramos aceitas em nenhum lugar, e hoje, poder adentrar nos espaços e saber que tem coordenadoria, que tem secretaria para a população LGBT”, comemora Cris Stefanny.
Subsecretário de Políticas Públicas para a População LGBTQIA+, Vagner Campos, recorda da primeira conferência LGBT do País, quando o Governo Federal iniciou as campanhas por um Brasil sem homofobia.
“Espaço como este, de construção coletiva, é o caminho correto. É importante a gente somar nos espaços, somar às autoridades e frisar que não é uma lutinha que a Cris Stefanny começou lá atrás, é uma luta grande que estamos fazendo até hoje para dizer: ‘nós vivemos, nós existimos e nós queremos respeito’”.
Gerações
Mulheres e homens trans puderam compartilhar suas histórias, conquistas e lutas, que levam à reflexão. Desde quem esteve no Congresso Nacional 20 anos atrás até quem não era nascido ainda, o TransChá foi espaço de voz também para um adolescente de 17 anos, homem trans, desabafar.
“Em 2023 eu fui vítima de transfobia dentro de um ambiente escolar, um lugar que era para acolher, era para respeitar, foi um lugar que trouxe grandes traumas. Eu peço que vocês todos olhem para os adolescentes trans e olhem para a educação, porque só a educação pode mudar o mundo”, apelou.
Artista visual, Glauber Portman aproveitou para agradecer às gerações que antecederam e as atuais, e frisar que o ato não deve se resumir apenas à data de janeiro.
“A nossa sociedade só é visibilizada e só tem esse espaço garantido no nosso mês. Só que nós existimos e resistimos todos os dias na sociedade, que não nos deixa ser enquanto a gente quer vencer, e vencer nada mais é do que ter a possibilidade de ser quem a gente é e ter os nossos direitos garantidos”.
Glauber reconhece os privilégios que desfruta como mulher trans que tem o amparo da família, da sociedade, e uma graduação. “Sou formada, mas ainda assim vejo as minhas manas e manos, sendo impossibilitados ou não tendo espaço. Tem uma fala que costumam dizer, e que eu falo há muito tempo: ‘para uma travesti, um simples fato de comprar um pão na padaria pela manhã, é um ato revolucionário’”.
Coordenadora da ATMS, Mikaella Lima vestia preto para lembrar que mesmo no dia de comemoração, o Brasil ainda segue no ranking de ser o país que mais mata LGBT’s no mundo.
“Estou de preto porque estamos aqui para comemorar em termos. Infelizmente nosso País continua matando nosso iguais, nossas iguais. Das letrinhas LGBT, a T é a que mais sofre e é ceifada em nosso Brasil. Este é o momento da gente se unir, fortalecer, e tentar dar um jeito de tirar o país desse ranking. Talvez se não fosse essa iniciativa de 20 anos atrás, nós nem estaríamos aqui vivas hoje. Só estamos passando dos 35 anos de idade graças a essas mulheres que lá em 2004 lutaram”.
Data
Depois da campanha Travesti e Respeito, 29 de janeiro passou a ser o Dia da Visibilidade Trans, data que se tornou um marco no combate à transfobia em todo o Brasil.
Desde então, o mês de janeiro é tomado por reflexões sobre a importância da visibilidade trans, aceitação da transexualidade, representatividade e luta por acesso aos direitos como saúde, educação, emprego digno, enfrentamento ao preconceito e à discriminação.
Paula Maciulevicius, Comunicação SECFotos: Matheus Carvalho